Fado
À noite, Lisboa pura,
o fado acorda numa rua,
num sussurro que ensurdece.
E nos becos, aventura.
Há na alma, minha e tua,
uma luz que nos aquece.
A cantar dentro de mim
num choro que não tem fim,
pelas guitarras consolado.
Dentro de nós semeado,
brota, cresce, ocupa a vida
numa luta desmedida.
Mas ao fado tudo se rende.
A razão ninguém entende,
fica o peito alvoroçado.
E em estrofes de alegria
que transforma a noite em dia,
escrevo um fado e outro fado.
sexta-feira, maio 25, 2012
quarta-feira, maio 16, 2012
Por um leigo na matéria:
Gosto mais de fado cantado por mulheres, primeiro que tudo por uma questão musical. A guitarra portuguesa pede um timbre mais alto, a sua sonoridade, ainda mais na afinação de Lisboa, pede um registo vocal mais agudo. As mulheres fazem melhor parelha. Fazem mais sentido juntas. É, portanto, primeiramente uma questão musical e estética.
Além disso, parece-me mais o Universo delas, com grande pena minha. O fado cantado por homens, na minha perspectiva, só chegou ao âmago da questão, em termos de interpretação, muito recentemente. Como manifestação cultural que é, é engraçada e desesperante a forma como acompanha os estereótipos sociais, entre eles está o de género. O fado cantado por homens, antes de uma determinada geração, era contido, à falta de melhor palavra. Acabavam por ser contraditórias a interpretação e a mensagem, não havia extravagância vocal que dá ao fado o boost para um nível artístico superior. A extravagância vocal aliada ao poema sentido traduzir-se-ia sempre numa interpretação que causa ressonância na assistência. A partir de certa altura, a imagem social mudou e o fado cantado por homens ultrapassou completamente esta questão, a ponto de 3 ou 4 fadistas homens estarem nas minhas preferências, todos acompanhados de extravagância vocal quando o fado o exige, além de que um homem desesperado é uma imagem mais poderosa até do que a de uma mulher desesperada, pelo facto do homem ser estereotipicamente sinónino de controlo racional de qualquer situação, ainda.
No entanto, o fado na voz de uma mulher habita muito mais no seu universo: de saudade (porque são elas que ficam ou ficaram enquanto os homens partiram), de ciúme, de sina, de amor. Bem sei que os sentimentos são, por definição, unisexo, mas tenho a certeza que as vivências, as percepções e consequentes cognições serão diferentes e, no caso das mulheres, mais contextualizadas.
A poesia no fado é, na sua maioria, escrita por homens. A génese é masculina mas a tradução é mais verdadeira na personagem feminina. É estranho, mas é assim.
Além disso, parece-me mais o Universo delas, com grande pena minha. O fado cantado por homens, na minha perspectiva, só chegou ao âmago da questão, em termos de interpretação, muito recentemente. Como manifestação cultural que é, é engraçada e desesperante a forma como acompanha os estereótipos sociais, entre eles está o de género. O fado cantado por homens, antes de uma determinada geração, era contido, à falta de melhor palavra. Acabavam por ser contraditórias a interpretação e a mensagem, não havia extravagância vocal que dá ao fado o boost para um nível artístico superior. A extravagância vocal aliada ao poema sentido traduzir-se-ia sempre numa interpretação que causa ressonância na assistência. A partir de certa altura, a imagem social mudou e o fado cantado por homens ultrapassou completamente esta questão, a ponto de 3 ou 4 fadistas homens estarem nas minhas preferências, todos acompanhados de extravagância vocal quando o fado o exige, além de que um homem desesperado é uma imagem mais poderosa até do que a de uma mulher desesperada, pelo facto do homem ser estereotipicamente sinónino de controlo racional de qualquer situação, ainda.
No entanto, o fado na voz de uma mulher habita muito mais no seu universo: de saudade (porque são elas que ficam ou ficaram enquanto os homens partiram), de ciúme, de sina, de amor. Bem sei que os sentimentos são, por definição, unisexo, mas tenho a certeza que as vivências, as percepções e consequentes cognições serão diferentes e, no caso das mulheres, mais contextualizadas.
A poesia no fado é, na sua maioria, escrita por homens. A génese é masculina mas a tradução é mais verdadeira na personagem feminina. É estranho, mas é assim.
terça-feira, março 13, 2012
Por mares nunca dantes navegados
É um work in progress, mas acho que está aqui o meu primeiro fado.
Se, um dia...
Se, um dia, amor, tu souberes
como te calaste em mim,
num grito sem ambição.
Ficou o eco de ti
nos corredores em que cresci,
lembrando-me a solidão.
Se, um dia, amor, tu vieres
percorrer o meu caminho,
num lugar que foi só teu,
talvez me possas ver,
perdido em vez de ser,
que a saudade converteu.
Um dia, amor, se encontrares
num dos quartos, já vazio,
a querência a que és imune,
encontras estas palavras escritas
no meu peito, são benditas:
És tu quem as reúne.
Agora é juntar-lhes um fado Acácio.
Se, um dia...
Se, um dia, amor, tu souberes
como te calaste em mim,
num grito sem ambição.
Ficou o eco de ti
nos corredores em que cresci,
lembrando-me a solidão.
Se, um dia, amor, tu vieres
percorrer o meu caminho,
num lugar que foi só teu,
talvez me possas ver,
perdido em vez de ser,
que a saudade converteu.
Um dia, amor, se encontrares
num dos quartos, já vazio,
a querência a que és imune,
encontras estas palavras escritas
no meu peito, são benditas:
És tu quem as reúne.
Agora é juntar-lhes um fado Acácio.
terça-feira, março 06, 2012
Continuo a exasperar pelo facto de alguns conseguirem o que nem me atrevo a tentar.
Cântico Negro - José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Cântico Negro - José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Interrogações
Porque precisamos de nos definir por aquilo que fazemos, ou como ocupamos o nosso tempo? Porque somos definidos pela forma como o comunicamos aos nossos amigos, família e conhecidos? Somos, ou somos em comparação com os pares? A comparação começa dentro do sujeito que pergunta. Como podemos pedir para os outros o que não esperamos de nós?
Mais uma definição, mais um momento de cisão e decisão. Que me define? É muito pouco e demais o que me define... e não tem retorno palpável, mas também o dispensa. Como já escrevi, gosto de ter mão em mim e assusto-me quando me fujo entre os dedos. Obviamente que, quando tento apertar a mão, mais me verto entre eles. Os anelos de definição são intrínsecos, mas terão resposta satisfatória em algum momento? Espero que não. Pelo menos tenho essa procura e ela é válida, impele-me.
Porque me agrada que já não venha aqui ninguém se perco a partilha que traz sentido a estas palavras?
Interrogações...
Mais uma definição, mais um momento de cisão e decisão. Que me define? É muito pouco e demais o que me define... e não tem retorno palpável, mas também o dispensa. Como já escrevi, gosto de ter mão em mim e assusto-me quando me fujo entre os dedos. Obviamente que, quando tento apertar a mão, mais me verto entre eles. Os anelos de definição são intrínsecos, mas terão resposta satisfatória em algum momento? Espero que não. Pelo menos tenho essa procura e ela é válida, impele-me.
Porque me agrada que já não venha aqui ninguém se perco a partilha que traz sentido a estas palavras?
Interrogações...
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