sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Clara

Escrever sobre o amor é tarefa homérica que prefiro deixar para poetas e músicos, que o fazem com muito maior eloquência. O próprio amor, dirão alguns, não é digno de se apresentar em prosa, encontrando na métrica e contexto poéticos a sua forma de expressão maior, na qual a tónica não se encontra em expressões eruditas e bem articuladas, mas sim na conjugação de palavras simples e sentimentos que transparecem muito mais cristalinos na boa articulação dos versos. Senão vejamos:

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

Palavras simples, superiormente articuladas, que lhes valeu o estatuto de imortalidade.
Mas eu também quero falar do amor. Que visão negra a de uma vida sem amor! E não é preciso ser correspondido, é preciso amar. Aliás, acredito que só sabe verdadeiramente o que é o amor quem amou e não foi retribuído, quem sentiu a dor de querer ter alguém que está atrás do muro que toca o mais alto dos céus e tem raízes no mais profundo centro da Terra, apesar da aparente proximidade ao toque, à vista, às palavras que ali têm origem e são absorvidas avidamente. Esta inacessibilidade promove isto mesmo, a verdadeira expressão do amor, por um gesto, uma frase, um sorriso... às vezes tão claro e racional, outras tão obscuro e desesperante.

E o meu amor? O meu amor nasceu de um beijo, um beijo em nada normal, em tudo diferente, precursor de mim e da minha descoberta em mim mesmo. Daí tive e deixei de ter. "Arrastei amarguras, que nunca arrastou ninguém", "todos os "ais" foram meus", e hoje tenho, de tal maneira entrelaçado em mim que, muitas vezes, não sei onde acabo e ela começa.

A tua presença, bebo-a. A tua ausência, sinto-a assim:

Na boca de um marinheiro
No frágil barco veleiro
Morrendo a canção magoada
Diz o pungir dos desejos
Do lábio a queimar de beijos
Que beija o ar e mais nada

Fado Português, José Régio(1941)

Sou uma torre inexpugnável contigo, sem ti fenece-me a vida de tom leve e bem humorado, que me caracteriza.
Quando me perguntam porquê, respondo-lhes: Porque tem defeitos como toda a gente, mas tem qualidades como ninguém... Bem-vinda de volta!

terça-feira, fevereiro 06, 2007

How we can see reality

A melhor profissão do mundo é Filósofo, mas não os licenciados em Filosofia, com as respectivas saídas profissionais (sem desprimor, obviamente, pelos visados). Filósofos, mas em tempos imemoriais. Eu, pessoalmente, viveria disso, da contemplação, da reflexão... estarei a reduzir toda uma ciência do pensamento a um, talvez dois estereótipos? Estou! Mas sou eu quem dirige a conversa (daí o Braincontrol).
A meta-análise da realidade, dos mecanismos que nos permitem olhá-la e compreendê-la, é, ou pode tornar-se, uma ocupação a tempo inteiro, diria, para quem não tem cuidado, para quem se deixa levar na sua espiral. Não deixa de ser um "exercício" muito engraçado. A minha questão é essa mesmo. Se, na altura, esta capacidade era acompanhada de estatuto, hoje-em-dia é penalizada socialmente, uma vez que prejudica a acção, verbo importantíssimo nos dias que correm. Enfim, lembro um "pobre" desempregado, nas reuniões, para não lhes chamar encontros informais, no centro de emprego, licenciado em História e mestrado em Filosofia. Face à questão inicial, da respectiva apresentação, situação profissional, etc., ele responde: "Olhe, eu não sei se será mais pedante dizer que sou Historiador, se dizer que sou Filósofo.", arrancando de mim uma sonora gargalhada.
Hoje temos de ser ovelhas, e a ronhosa é, gentilmente, convidada a abandonar o projecto de rebanho.