terça-feira, maio 02, 2006

Happiness in a pill


A todas as esquinas, em todas as ruas espreita uma sociedade de consumo, fácil, descartável, na qual as peças trocidadas pela própria máquina são facilmente substituídas por novos e melhores elementos. É assustador, não é?
Tenhamos em conta a saúde mental. De que maneira este modo de pensar influencia os métodos de "correcção" dos pensamentos desadaptativos, actualmente?

Em 1952 inicia-se a psicofarmacologia moderna com a introdução da Cloropromazina. Laborit utilizou-a com a Prometazina e a Morfina, constituindo um cocktail a que chamou lítico, usado para induzir hibernações artificiais. A partir desta data inicia-se uma vertente da saúde mental que viria a ter o seu auge (pelo menos até à data) no presente período da história da sociedade.
Inicialmente, o uso dos psicofármacos constituíu um novo gesto libertador, tal como o de Pinel no século XVIII que teve a coragem de libertar os "loucos " das correntes que os prendiam, afirmando a sua inofensividade na maior parte dos casos, assim como a sua condição de seres humanos. Numa perspectiva de fuga ao hospitalismo, do qual derivavam muitos dos sintomas mentais das doenças (pelas fracas e brutais terapias que se aplicavam), os psicofármacos começam a ser amplamente utilizados em variadíssimos quadros clínicos, acompanhando o desenvolvimento de ciências como a farmacologia, bioquímica e neurofisiologia, entre outras. Nesta perspectiva, a intenção parece-nos a melhor, no entanto, paradoxalmente a filosofia por trás desta corrente prende-se com a tentativa de tornar o doente mental menos alienado, mais humano, mais próximo de nós... esta preocupação com a normalidade, enquanto distribuição média dos comportamentos numa população, muitas vezes abafava aquilo que, de facto, se poderia considerar ajuda psicológica. Ou seja, não estávamos a ajudar os doentes mentais a melhorar a sua qualidade de vida, estavamos a torná-los "um de nós", eliminando os seus sintomas pouco "normais".

A título de curiosidade posso mencionar algumas das terapias utilizadas (algumas, incrivelmente, ainda hoje em dia):

- Insulinoterapia - O objectivo desta terapia é induzir um coma hipoglicémico (cerca de 1 hora), após o qual se administra uma solução açucarada (sonda nasal ou via intravenosa). Este método trataria esquizofrenias hebefrénicas (as piorzinhas), confusão mental, depressões atípicas e delírios crónicos. Como contra-indicações absolutas e relativas apareciam (claro) patologias cardíacas (valvulares, coronárias, miocardites, hipertensão arterial, arteriosclerose), diabetes, hipertiroidismo, insuficiências renais e hepáticas, entre outras.

- Electroconvulsivoterapia - Este métodos, mais conhecido como "terapia de choque", consistia na colocação de eléctrodos, uni ou bilateralmente, que provocavam uma convulsão que deverá ter uma duração mínima de 25 segundos para ser eficaz (Deus Nosso Senhor me livre e guarde de me tornar maluquinho!). Obviamente que, como contra-indicações, aparecem hipertensão intracraneana, insuficiência cardíaca, acidentes vasculares cerebrais, entre muitas outras. este método é usado primordialmente em depressões melancólicas, manias, esquizofrenias e psicoses esquizoafectivas.

Actualmente, o que observamos é um decréscimo nestas terapias (felizmente) e um aumento drástico dos fármacos. As pessoas procuram a solução mais rápida e eficaz... e, de preferência, cujo único trabalho necessário seja encher um copito com água, e eis que surge uma solução instantânea, literalmente. O último grande estudo realizado em Portugal sobre psicoterapias revela que a psicanálise é procurada por 18,1% dos portugueses que recorrem ao apoio psicológico, depois dos 29,4% que optam por terapias cognitivo-comportamentais e longe dos 46,9% que optam por ingerir comprimidos(1).

Não me quero caracterizar como inimigo dos psicofármacos. Apenas quero frizar que o acompanhamento psicológico é fundamental ao equilibrio de qualquer tratamento de qualquer patologia. Hoje-em-dia verificamos esta verdade no seio da classe médica, inclusivamente, através de vários profissionais que começaram a apostar na interdisciplinaridade das equipas, mesmo em quadros clínicos não directamente envolvidos com a saúde mental, como a colocação de bandas gástricas, nos quais o acompanhamento psicológico vai aumentar o bem-estar e resiliência do paciente. É, portanto, indissociável o fármaco do acompanhamento psicoterapêutico, numa relação de dois sentidos, uma vez que permite ao terapeuta um trabalho muito mais frutífero em termos da cessação dos sintomas que dificultam o estabelecimento da relação ou da informação que o paciente revela.
Neste método de colmatação fácil dos sintomas (na nossa sociedade ocidental com maior incidência nos depressivos) os únicos afectados continuam a ser as pessoas que, inconscientemente, fazem uso dos milagrosos comprimidos apenas adiando o negro despertar depressivo. Os profissionais que os prescrevem neste registo hadocrático deviam ler e reler os códigos deontológicos que por aí há e manter-se fiéis ao seu juramento, para não fazerem o velhinho Hipócrates andar às voltas no seu túmulo...
(1)in Visão 27 de Abril a 3 de Maio 2006

2 comentários:

AlémTejo100Lei disse...

este blog é uma seca!

Foka_bock disse...

Lembra-te amigo pixacomxis: para quê educarmo-nos se a estupidez é instantânea?