Freud interessava-se pela análise das obras de vários "génios", entre os quais Miguel Ângelo, Dostoievski, Goethe e Shakespeare. Para Freud era impossivel descodificar uma obra de arte sem a psicanálise, que encarava como ferramenta para a sua interpretação e para a descoberta dos seus significados.
Numa biografia psicanalítica de 1927, "Un souvenir d'enfance de Léonard de Vinci", o autor já nos fala da fixação de Leonardo na sua mãe e na impossibilidade que ele teria de no-lo comunicar explicitamente, usando para esse fim a sua obra. Esta noção não é nova. Já o próprio "Código de Da Vinci" best-seller usa a presença de elementos íntimos ao autor ocultos dentro da sua obra, à vista de todos, mas escondido das gentes.
Na obra acima exposta, "Sant'Ana, a Virgem e Jesus", arena do embate entre a censura de costumes imposta pela hierarquia católica e a grande vontade de afirmação de uma sensualidade oculta, Freud faz "uma curiosa descoberta de que não se poderá negar o interesse mesmo que não estejamos dispostos a aceitá-la incondicionalmente", nas palavras do fundador da psicanálise.
Esta descoberta fala de um abutre, invertido, escondido nas vestes azuis de Maria. A cauda deste abutre tocaria nos lábios de Jesus e de Maria, leia-se, nos lábios de Leonardo e de sua mãe, com todas as consequências que isso implica em termos da análise da psique do mestre.
Já no seu "Codex Atlanticus", entre outros assuntos, Leonardo fala de algumas recordações de infância, entre as quais menciona uma especial, sobre um pássaro. Escreve Leonardo e Freud traduz: "creio-me destinado a estudar em detalhe o abutre porque, ainda no berço, um abutre voou na minha direcção, abriu-me a boca com a sua cauda e mais do que uma vez me bateu com ela nos meus lábios".
Ora, os Egípcios, nos seus hieróglifos, representavam a mulher como um abutre. Segundo eles, numa dada estação do ano os abutres parariam durante o voo, abririam a sua vagina e seriam fecundados... pelo vento! Lindo! fenómeno análogo ao de Virgem Maria... Agora sim, Freud teria percebido a obra de mestre Leonardo.
No entanto, alguns autores, algum tempo após a publicação deste ensaio, constatam que Freud constrói, sem o saber, a sua tese sobre uma tradução errada da recordação de Leonardo (onde é que já ouvimos esta "sagrada" história?). No texto, exposto anteriormente, o artista nunca tinha falado em abutre (avvoltoio) mas sim num tipo de gavião (nibbio), o que constitui uma machadada rude no ensaio de Freud. A cabeça e o pescoço do gavião deixavam de ter a mesma configuração do perfil do abutre.
E agora as questões pertinentes:
- Desejo tornado realidade por Freud, numa perspectiva "pescadinha de rabo na boca", tão ao jeito do autor e sua teoria?
- Ou, como escreve Klee: "A arte não reproduz o que vemos. Dá-nos é a possibilidade de ver."
Muito bom...
1 comentário:
Ou juntando as duas:
A arte não reproduz o que o artista vê, dá é a possibilidade aos outros de tornarem os seus desejos realidade. E Freud, como sabemos, tinha muitos desejos para realizar.
Enviar um comentário